15 de fev. de 2014

Comédia: As Damas de Ferro

Espírito esportivo e colorido

As Damas de Ferro (Iron Ladies, 2000) é com certeza um dos filmes mais hilários que já vi e, ao mesmo tempo, repleto de boas mensagens, principalmente para aqueles que se acham melhores do que os outros, simplesmente por serem héteros ou gays não efeminados. Veja o filme completo e legendado:

O longa, dirigido por Youngyooth Thongkonthun, é inspirado na história real de um time de voleibol da Tailândia, composto por um hétero, um transexual, travestis, com o restante formado por gays, inclusive a treinadora que era lésbica. Foi o segundo maior sucesso do cinema tailandês, contando o grande feito da equipe 'alegre e colorida' de Lampang, que venceu o campeonato nacional em 1996.

As Damas de Ferro (Completo e Legendado) + Playlist [Gay} Filmes

Sinopse Comédia baseada na história real de um time masculino de voleibol composto basicamente por gays, travestis e transexuais. A equipe chegou a conquistar o título de campeã nacional da Tailândia, em 1996. Tudo começa porque o jogador de vôlei Mona sempre foi descartado dos times por ser gay. Com a chegada de uma nova treinadora na cidade, Bee, surge uma nova oportunidade de formar um time. Incentivado pelo melhor amigo, Jung, ele decide fazer o teste e leva o colega junto.


Embora seja uma comédia rasgada, As Damas de Ferro traz também uma leitura humanística sobre a tolerância à diversidade sexual e, principalmente, de gênero - a nossa aparência, que é a primeira a dar ou não pinta. Com o máximo de bom humor e excelentes atuações, o filme comenta com muita empatia sobre a discriminação a homossexuais, existente no vôlei (e nos esportes em geral), na sociedade e nas famílias. Sua mensagem principal seria que a vida seria bem melhor, sem prejuízos de talentos, se houvesse mais tolerância ao diferente.

O preconceito no esporte contra atletas gays ainda é uma triste realidade, principalmente no futebol e, inclusive, nas modalidades preferidas das bibas, o voleibol e o rugby. Muitos ainda acreditam que ter um gay assumido na equipe poderia denegrir a imagem do time. Ou mais simples do que isso, que atletas homossexuais não podem existir - os casos de esportistas em atividade que saíram do armário ainda são raros.

No esporte coletivo, entre equipes, além do eventual contato físico, geralmente há também o compartilhamento de vestiários, dormitórios, centros de treinamento... fazendo muito homofóbico acreditar que isso poderia ameaçar sua masculinidade. Uma das frases do filme, entre outras sacadas, é quando Mona (Sahaphap Tor) pergunta para seu colega hétero: "Você não gosta deles porque não são homens ou porque não são mulheres?" - referindo-se ao restante do time formado basicamente por gays efeminados. E outra boa pergunta: "Você conhece ou já teve um amigo gay? Então não pode subestimar nenhum gay".

O elenco brilhante é formado pelos atores Jesdaporn Pholdeee (Chai), Sahaphap Tor (Mon), Ekachai Buranapait (Wit), Giorgio Maiocchi (Nong), Chaicharn Nimpulsawasdi (Jung), Kokkorn Benjathikoon (Pia), Phomsit Sitthijamroenkhun (April), Sutthipong Sitthijamroenkhun (May), Anucha Chatkaew (Junee) e Shiriohan Hongsopon (Bee). Eles interpretam o time mais colorido da história, que foi constantemente discriminado pelas demais equipes.

Na subida dos créditos, no final do filme, são exibidas imagens dos personagens reais - os verdadeiros campeões do Lampang Volleyball Team, onde percebemos também as semelhanças físicas com cada personagem. Veja os vídeos do time original Iron Ladies:

Iron Lady Vs Pusat Tuisyen Tang (jogo com o time original Damas de Ferro)

Documentário sobre as Iron Ladies originais (em inglês)

Sem dúvida, os destaques na 'palhaçada' são: a assanhadíssima Jung, com seu mundo maravilhoso de Alice cheio de boys magia; o soldado do exército e reprimido pela família Wit;  e os imperdíveis reservas do time, os sorridentes trigêmeos e 'divas' Abril, Maio e Junho (foto).

Com o grande sucesso do filme, foi lançado em 2003 As Damas de Ferro 2 - Os primeiros anos, com o mesmo elenco. Veja o trailer:


Trailer do filme As Damas de Ferro 2 (2003)

สตรีเหล็ก 2 - Iron Ladies 2

A divertida história (e, ao mesmo tempo, real e séria) pelo respeito à diversidade de gênero tem como título uma menção à britânica Margaret Thatcher, que recebeu a denominação de A Dama de Ferro pela imprensa mundial, em razão do seu poder político-econômico no Reino Unido e nas tomadas de decisões políticas mundiais, nos anos 1980. No longa-metragem, esta 'resistência' também aparece em uma luta mundial, porém pelos Direitos Individuais em poder ser e viver como bem entender. Afinal, ser diferente do tradicional macho e fêmea não pode ser considerado um crime, nem motivo de vexatório ou discriminação, além de ser uma prova concreta de que somos verdadeiramente humanos (seres pensantes).


Comentando o filme
Por prof. Luiz Fernando Rojo
UFF Universidade Federal Fluminense

“Se você é tão preconceituoso, como tem coragem de achar que é atleta?”. A pergunta que a treinadora Bee faz a Mann, que havia sido indicado por ela para capitão da equipe de vôlei de Lampang – distrito da Tailândia – tem, em certo sentido, uma forte relação com aquela que desencadeia o filme “As Damas de Ferro”.

Na primeira cena da película, vemos um técnico lendo a relação dos jogadores que fariam parte de um time. Após saber de seu corte, “Mona”, um excelente atleta, indaga se ele havia sido cortado por ser gay. Estas duas cenas dão a dimensão do tema central do filme que, embora excessivamente caricatural em algumas passagens, tematiza com rara sensibilidade as questões de gênero e os preconceitos no campo esportivo, permitindo-nos debater as idealizações normalmente projetadas no esporte, principalmente no que ele conteria de possibilidade de estabelecer pontes entre as diferenças culturais.

Esse discurso é concretamente enfatizado a cada situação em que o esporte é investido da função de suporte simbólico para o ideal do congraçamento universal, como por exemplo no jogo Estados Unidos x Irã, na Copa do Mundo de 1998, e tanto no desfile conjunto das duas Coréias nos Jogos Olímpicos de Atenas (2004), quanto na decisão mais recente de competirem em uma única equipe, na próxima edição dessa competição.

Essas construções ideais, no entanto, não parecem resistir quando o que está em jogo não são as fronteiras que separam os países, mas aquelas que constrangem as diferenças de gênero a se encaixarem no esquema binário de orientação sexual: masculino/feminino, onde cada um desses modelos está associado a uma série de comportamentos “aceitáveis”, nas quais a heterossexualidade é ponto nevrálgico e mesmo pequenas distensões nos padrões clássicos podem não ser bem toleradas.

Neste sentido, o filme é muito mais amplo do que uma simples abordagem linear da temática homossexual (ainda que tenha sido premiado em muitos festivais internacionais de cinema gay, tendo também obtido a 2ª maior bilheteria da história do cinema tailandês), e talvez esta seja uma das maiores qualidades de “As Damas de Ferro”.

Embora o tema mais aparente seja o do preconceito existente no âmbito esportivo em relação a atletas homossexuais, a partir de um fato real, a conquista em 1994 do campeonato tailandês de vôlei masculino por uma equipe majoritariamente composta por homossexuais (título que só foi reconhecido dois anos depois pela federação local), é interessante salientar que o filme permite ler uma gama de comportamentos e de conflitos de gênero muito diferenciados.

Desta forma, a própria categoria “homossexual” é desconstruída em seus componentes “gay” (Mona e Wit), “travesti” (Nong, Jung e as reservas Abril, Maio e Junho) e “transexual” (Pia), ainda que cada uma seja representada de forma muito estereotipada. Esta diversidade se reflete no modo como os interesses que conduzem as ações dos personagens não se prendem somente a ideia do senso comum que vê em cada homossexual um tarado em potencial.

Jung (Chaicharn Nimpulsawasdi)
Assim, enquanto Mona se preocupa exclusivamente com o vôlei e com a conquista dos resultados, argumentando constantemente que sua orientação sexual em nada interfere no seu desempenho como atleta; Nong e Jung aparecem como principalmente interessadas nas possibilidades midiáticas que uma equipe tão “diferente” pode permitir para atrair “paqueras” dos homens que julgam interessantes. Já Pia vê no vôlei uma válvula de escape para o término de seu namoro com um homem que a troca por “uma mulher de verdade”,segundo suas próprias palavras.

É interessante a caracterização da homossexualidade como um espectro de diferentes características, ainda que, como já dissemos, para reforçar o aspecto cômico, os trejeitos e atuações resvalem com freqüência em posturas comumente reforçadas por compreensões estereotipadas. Por outro lado, embora no evento real a treinadora também seja homossexual, o filme deixa este aspecto menos explícito, enfatizando ao redor dessa personagem as tensões de gênero mais tradicionais – masculino X feminino – que são apresentadas de forma clara em duas situações distintas.

A primeira delas pode ser observada logo em sua apresentação como nova técnica da equipe de Lampang, quando a maioria dos jogadores se sente desconfortável com o fato de serem treinados por uma mulher, levando inclusive a que surjam diversas alusões a sua possível homossexualidade. Aqui há portanto uma tensão interna entre “homens” e uma“mulher”, mesmo que ambos não transitem por esses conceitos pelo modelo considerado adequado pela sociedade.

Abril, Maio e Junho (Phomsit Sitthijamroenkhun,
Sutthipong Sitthijamroenkhun e Anucha Chatkaew)
A segunda situação, já nas finais do campeonato, fica explícita na reunião dos treinadores, na qual é a única mulher, e onde, como ela mesma faz questão de apontar, o preconceito contra seu time é reforçado pela recusa de se admitir que uma mulher possa ser tão boa treinadora quanto um homem. Mais uma vez identifica-se a ideia de que o campo esportivo é eminentemente um mundo dividido por gênero, no seu sentido “clássico”, o que inclusive teria desencadeado a trama de preconceitos contra os atletas homossexuais.

Por fim, cabe ressaltar as diferenças e tensões existentes dentro do próprio campo heterossexual masculino, cuja presença no filme pode ser considerada um de seus aspectos mais inovadores. Seja na oposição apresentada entre o pai de Jung, que lhe apóia e comemora efusivamente suas vitórias, e o pai de Wit, que chega a ir ao estádio tentar  proibir que seu filho siga jogando em um time “homossexual”, ou, de forma ainda mais complexa, na diferenciação entre os jogadores homens do antigo time de Lampang, que se recusam a serem treinados por uma mulher, e Chai que não apenas se revolta contra este machismo, como permanece no time mesmo quando se vê na situação de único jogador heterossexual.

É aqui, no momento de tematizar uma possível interação harmoniosa entre homossexuais e heterossexuais, onde se encontravam as maiores armadilhas e perigos para a película, que o filme reforça sua abordagem que aproxima a vida social e seus conflitos do âmbito esportivo, inclusive entrelaçando as tensões que vão se ampliando no decorrer do campeonato (à medida em que as finais se aproximam), e as dificuldades que surgem na tentativa de construir uma nova forma de lidar com as diferenças de gênero.

Enfim, ainda que com os limites expostos, e sem ser um filme com grandes pretensões cinematográficas, “Damas de Ferro” tem o enorme mérito de trazer à tona um dos maiores e menos discutidos preconceitos no campo esportivo, notadamente no Brasil: os relativos à orientação sexual, que de forma alguma podem ser descolados das discussões de gênero, ainda que possua suas peculiaridades. Indubitavelmente é algo que deve ser motivo de atenção, investigação e intervenção pedagógica dos pesquisadores e professores envolvidos com a área de Estudos do Esporte. Resenha disponível em Academia.edu

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