14 de jun. de 2019

O que o STF quis dizer ao criminalizar a homofobia e transfobia?

Homofobia já era crime!

Conforme nossa Constituição Federal, que assegura a "dignidade da pessoa humana" a todos e todas, a decisão por 8 votos a 3, do Supremo Tribunal Federal - STF, criminalizando a homofobia e transfobia, vem reforçar o que diz o próprio texto da lei, bem como diante a estatísticas que comprovam que aqui se mata, agride e discrimina pessoas, apenas pelo fato de serem LGBT. Aliás, o Brasil é o país que mais mata homossexuais e transexuais, a frente até de países onde ainda é crime ser gay.

Pela decisão do tribunal, declarações homofóbicas poderão ser enquadradas no crime de racismo, com pena prevista de 1 a 3 anos, podendo chegar a 5 anos, em casos mais graves.

Vejamos algumas considerações na CF/88:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
... homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
... ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
... são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[Fundamentos da Federação] ...  promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação ...
[Direitos sociais] ... proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil ...

 Conforme a decisão da Corte:
"praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;
se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema."
O ministros do STF, no plenário do tribunal, durante o julgamento sobre a criminalização da homofobia — Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Com a decisão, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia, segundo o relatório "Homofobia Patrocinada pelo Estado", elaborado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga). No julgamento, o Supremo atendeu parcialmente a ações apresentadas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e pelo Partido Cidadania (antigo PPS). Essas ações pediam que o STF fixasse prazo para o Congresso aprovar uma lei sobre o tema, mas este ponto não foi atendido.

Outro ponto polêmico foi com relação à liberdade religiosa, onde não será considerado homofobia  dizer em templo religioso que é contra relações homossexuais. Contudo, será criminalizado incitar ou induzir, no mesmo templo religioso, a discriminação ou o preconceito.

No julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso propôs que os crimes de assassinato e lesão corporal contra gays tivessem agravante na pena. Os demais ministros, porém, não discutiram esse tema.

Ao apresentarem cada voto, a favor ou não da criminalização da homofobia, os ministros reforçavam o papel do STF em proteger o direito do ser humano à convivência pacífica, com destaque às falas da Presidente da Corte, Ministra Cármem Lúcia:
"Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando / Todo preconceito é violência, toda discriminação é causa de sofrimento."
Na opinião da ministra, discriminação "castiga" a pessoa desde o lar, uma vez que afasta pai de filho, irmãos e amigos. Ressaltou que o Congresso foi inerte até o momento, acrescentando que os episódios reiterados de ataques contra homossexuais revelam "barbárie".

Já para o ministro Ricardo Lewandowski, que apresentou voto contrário à criminalização, por entender que se trata de função do Poder Legislativo e não do Judiciário, punir criminalmente a homofobia é "simbólico", mas acrescentou que "a lei pode muito", mas "não pode tudo".

Em tempo, o consenso era de que a omissão do Congresso é grave, por deixar de proteger a comunidade LGBTI. Para a maioria dos ministros, a falta de uma legislação específica afronta, ainda, a dignidade humana.

Ao apresentar o voto, o ministro Marco Aurélio frisou ser preciso reconhecer que o Brasil vive "grave quadro" de discriminação contra homossexuais, acrescentando que esse cenário é "incompatível" com a tradição de tolerância do povo brasileiro em relação à diversidade cultural e religiosa. "Não vivêssemos tempos tão estranhos, o pleito soaria extravagante. A estrita legalidade no que direciona a ortodoxia na interpretação da Constituição em matéria penal não viabiliza ao tribunal esvaziar o sentido literal do texto mediante a complementação de tipos penais", votou.


"Todos os votos proferidos, mesmo com divergência, reconhecem o repúdio à discriminação, ao ódio, ao preconceito e à violência por razões de orientação sexual. Estamos aqui a dar efetividade à Constituição. [...] Bom seria que não houvesse a necessidade de enfrentar esse tema em 2019"
Talvez seja esta a grande mensagem do STF para os que ainda acham que é privilégio criar leis de proteção a mulheres, negros ou gays, uma vez que a própria CF/88 já determina que somos todos iguais. A questão é justamente esta, enfatizar o descumprimento dos direitos fundamentais, na necessidade de esclarecer ainda mais o que para muitos soa como grego.

A analogia entre homofobia e os crimes de racismo vem de encontro com esta última necessidade. A própria Lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, veio 100 anos após a abolição da escravatura e após até a Constituição de 1967, mais de 20 anos depois, que já trazia o texto: "todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas".

Até hoje, muitos são aqueles que tentam deslegitimar a militância LGBT, a Parada do Orgulho Gay, falando até em "ditadura gay", como se a homofobia fosse criação fantasiosa dos que se dizem vítima de preconceito ou agressão frente a sua orientação sexual ou identidade de gênero, mesmo não havendo nada disso listado entre os crimes e doenças - a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças desde 1990 (pela Associação Americana de Psiquiatria, desde 1973), enquanto a descriminalização remonta ao Império do Brasil, quando foi a primeira nação das Américas e uma das primeiras do mundo a descriminalizar a homossexualidade, em 1830, quase 200 anos atrás.

Em tempos onde se discute liberdade de expressão, incluindo confusões sobre o que é opinião e o que é politicamente incorreto, decisões como esta do STF, sobre a criminalização da homofobia e transfobia só fortalece quem precisa de proteção legal, a própria instituição federativa e, claro, transforma em objetivo a o que muitos ainda tratam como subjetivo, para justificarem suas contravenções com os direitos do próximo. No final, todos os brasileiros ganham com este entendimento, seja homossexual, heterossexual,  bissexual, transgênero ou cisgênero, trazendo inclusive saúde social para todos.

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