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14 de dez. de 2014

TV: personagem gay feito por hétero?!

Nada digno!

Tá bom. Já sabemos que o trabalho de ator é para qualquer tipo de personagem, ou quase isso. Homens se fazem de mulheres desde os rituais e cultos mais antigos, ou como disfarce clichê de fuga policial, na comédia principalmente, até as várias masculinidades. E será que já não é hora de ver gay interpretando gay?

Na TV, novelas têm atualmente como hábito mostrar personagens gays interpretados por atores heterossexuais. Muitos são dignos de aplausos por convencer o público, porém, apenas superficialmente, não aprofundando tanto na personalidade daquele personagem ou na identificação com o público específico, haja vista que não há naturalidade na farsa. Torna-se então inevitável falar de preconceito, homofobia, pois se trata quase sempre de caricaturas grosseiras do que seriam os gêneros entre as nuanças masculinas do homem másculo, efeminado, transexual, travesti (ainda que de vez em quando, como é no caso dos crossdressers), etc.

Félix (Mateus Solano), Amor à Vida 
Crô (Marcelo Serrado) e seu time de "bibas" na novela Fina Estampa


Xana (Ailton Graça), Império
Téo Pereira (Paulo Betti), Império

Com raras exceções, não há uma atenção para as especificidades gays, sem os atropelos que parecem sempre negar um comportamento, ao invés de incluí-lo como coisa normal. Personagens que começam como gays e terminam se envolvendo com mulheres, a mistificação para o lado underground ou marginal, ou cômico. O que acaba tornando difícil de se identificar como tal. Parece que preferem mostrar as impossibilidades da vida do que poderia ser verossimilhanças.

Na TV, no cinema ou teatro, existem atores para papéis masculinos e atrizes para personagens femininos. Por que não gays para interpretarem gays? Será que não tem bons atores do tipo? Ou o preconceito e marginalização dos homossexuais atrapalharam até os talentos do gênero? Ou ainda, os atores gays se acostumaram tanto em fazer papel de hétero, que não conseguem mais interpretar nenhum tipo de gay?

Se nos identificamos com os personagens héteros porque são próximos do que vemos na vida real, por que com os gays isto funcionaria diferente?

A primeira coisa seria desmistificar a ideia de que sexualidade e personalidade se correlacionam. Uma coisa pode ter a ver com a outra, mas são capazes de se consolidarem em cada indivíduo de formas infinitas. Como, por exemplo, um gay efeminado ou não, artista ou trabalhador braçal, louco por futebol ou por Madonna, de boate ou de pelada com os amigos. Menos ainda com caráter, pois índole e sexualidade também são desconexos.

Há tempos, os personagens gays, além de resumirem seus vários tipos em uma figura única e fantasiosa, são basicamente tentativas de encaixá-los entre as polaridades 'homem - mulher' ou limitados na figura do 'travesti de rua / delegacia' ou bicha engraçada (de comédia). É claro que existe um tipo peculiar de gay presente no mundo todo - o tipo "viadinho" (bitch) e as drags, como exemplos, com seus trejeitos e linguagem bem específicos, mas semelhantes entre as diversas nacionalidades. Porém, como as possibilidades são tantas, para os gays em geral é difícil de se identificar com um único tipo de personagem, o que não é diferente mesmo para aqueles gays iconizados, tão pouco para os transexuais.

Até quando a suposta inversão de papéis (de gênero) será, por si, um piada?

Um bom exemplo para este debate está no vídeo documentário Meu Filme que Nunca Vi, com depoimentos de transexuais e as suas dificuldades para simplesmente ser, relacionando isso a falta de representação real na mídia:

Meu Filme Que Eu Nunca Vi


Acredito que é daí que se perpetua o preconceito contra os homossexuais ou homofobia. Se é raro de aparecer na TV, seja na novela ou no telejornal, dá a sensação de que isto deveria ser escasso também na vida real. Daí os comentários dos desavisados: "nossa, os homi tão tudo virando viado"! Como se ignorassem os fatos reais da vida e quisessem fazer com que a própria vida imitasse a arte, e não o contrário.

Por outro lado, há momentos no entretenimento que levam para a frente das câmeras algo mais verídico. Um deles foi o reality show Academia de Drags, um concurso de talentos comandado por Silvetty Montilla, e exibido via web em seis episódios. Mesmo não sendo uma drag queen, é ótima a sensação de se identificar com gays de verdade na TV, ainda que na posição de artistas performáticos, junto com todo o exagero, humor, glamour e viadagem ao extremo, mas sempre verdadeiros.

Veja a lista de reprodução com o reality completo Academia de Drags:

Playlist Academia de Drags [Completo]


Quando vejo um hétero se passando por gay, lembro-me da "Nega Maluca", feita por branco, com sua peruca de bombril, luvas e meias pretas e rosto pintado de preto. Ou o seu pierrot "Malandro do Morro", também com a cara pintada com tinta preta. Um esteriótipo bem distante da realidade, até porque é muito raro ver negro com a pele tão preta. Se não havia inclusão de negros nas artes cênicas, com personagens negros feito por atores brancos, ou na TV, com papéis majoritariamente de pobres, marginais, bandidos e trabalhadores de pouca instrução, o mesmo acontece quando o assunto são os personagens gays ou quando mostram gays reais (reality ou jornalismo) na telinha. Por ser uma mera característica, usar basicamente atores heterossexuais (ou supostamente héteros) para interpretarem personagens gays, tem uma mesma cota de absurdo.

Ou ainda, na história do teatro, onde as mulheres eram proibidas de atuar, seja por motivos religioso-culturais ou por imposições de Estado.

Teatro japonês Kabuki
No Brasil do século XVIII e início do XIX, os atores eram pessoas das classes mais baixas, em sua maioria mestiços. Havia um preconceito contra a atividade, chegando inclusive a ser proibida a participação de mulheres nos elencos. Dessa forma, eram os próprios homens que representavam os papéis femininos, passando a ser chamados de "travestis". Mesmo quando a presença de atrizes já havia sido "liberada", a má fama da classe de artistas, bem como a reclusão das mulheres na sociedade da época, as afastava dos palcos.

No teatro japonês, acredita-se que o kabuki vem do verbo kabuku, significando aproximadamente "ser fora do comum", e é de onde se tem o sentido de "teatro de vanguarda" ou "teatro bizarro". Sua origem remonta ao início do século XVII, quando se parodiavam temas religiosos com danças de ousada sensualidade. No ano de 1629, esse tipo de teatro foi proibido pelo governo. O espetáculo passou a ser encenado então por rapazes que interpretavam papéis femininos.

Sendo num contexto de humor / comédia, até poderia ser engraçado (não a sexualidade ou gênero, mas a piada "nega maluca", a farsa escrachada), mas como regra não. Há algo de errado e não é o caso de subestimar o belo trabalho de muitos (Thiago Fragoso como o Carneirinho Niko, por exemplo, foi excelente). Creio que muitos fazem isso de boa fé, acreditando estar militando na causa LGBT - "só que não". O mesmo para os programas de auditório, de entrevistas, etc., que poderiam ser mais realistas com as inúmeras masculinidades.

Leonardo (Klebber Toledo) e Cláudio Bolgari (José Mayer) na novela Império.

Se antes houve a necessidade em ver histórias gays, beijo gay na TV, parece que agora o momento é de ver gay na TV (sem a preconceituosa legenda: "é só um trabalho de ator, na verdade ele é um respeitado pai de família"), seja interpretando nas novelas (independente do papel), apresentando programas, sendo entrevistados numa reportagem normal do dia a dia, ou em peças publicitárias de Natal ou Dia dos Namorados, por exemplo, e uma série de inserções na paisagem midiática para que a tal homossexualidade deixe de ser um tabu.

Xana "sambando na cara da sociedade".

2 comentários:

  1. Adorei a matéria, só que acho que nem precisa ser gay interpretando gay, pode até ser hetero mesmo, mas que faça com veracidade igual os gay fazem quando interpretão heteros, está realmente falta VERDADE nessas novelas, tirar essa mania de generalizar os gay em algo cômico ou marginal! Estiu entrando no blog pela primeira vez e já favoritei ele aqui, por causa de algumas matérias bem legais que você/s fazem... Parabéns!

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  2. ISSO É A PURA VERDADE: Eu leio muito sobre essa dita inclusão e mesmo assim vejo a forma grosseira com que o gênero é tratado diante das criações novelísticas desse país. Parabéns pelo texto.

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