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19 de jun. de 2014

Cinema: filme Tatuagem Completo

Verdades, obrigações e delírios

Ambientado numa época de censura e ditadura, uma trupe teatral, liderada pelo diretor Clécio Wanderley (Irandhir Santos), resiste com amor e arte aqueles tempos difíceis. O longa Tatuagem (2013) surpreende a cada instante, justificando ser o filme brasileiro mais premiado do ano.

Veja o filme completo:

Tatuagem - Filme Nacional Completo


Sinopse

Recife, 1978. Clécio Wanderley (Irandhir Santos) é o líder da trupe teatral Chão de Estrelas, que realiza shows repletos de deboche e com cenas de nudez. A principal estrela da equipe é Paulete (Rodrigo Garcia), com quem Clécio mantém um relacionamento. Um dia, Paulete recebe a visita de seu cunhado, o jovem Fininha (Jesuíta Barbosa), que é militar. Encantado com o universo criado pelo Chão de Estrelas, ele logo é seduzido por Clécio. Não demora muito para que eles engatem um tórrido relacionamento, que o coloca em uma situação dúbia: ao mesmo tempo em que convive cada vez mais com os integrantes da trupe, ele precisa lidar com a repressão no meio militar e em plena ditadura.

Tatuagem foi dirigido por Hilton Lacerda, com atuações fantásticas de todo elenco, destacando Rodrigo Garcia (Paulete), Jesuíta Barbosa (Fininha) e o espetacular Irandhir Santos (Clécio Wanderley). Eles encenam várias histórias reais e de pessoas que serviram como base ou referência para a trama do longa-metragem. O líder do grupo teatral Chão de Estrelas, por exemplo, é inspirado no teatrólogo argentino Túlio Carella, radicado no Recife durante os anos 60. A própria companhia de teatro representa a experiência real da trupe anárquica Vivencial, que existiu nos anos 70.

Embora de temática gay, não há clichês, com momentos de cinema-verdade e, ao mesmo tempo, de pura fantasia e arte - as filmagens foram feitas nas cidades pernambucanas Recife e Olinda, em 2011, mas se posicionam como atemporais e também passíveis de acontecer em qualquer lugar.

Sobre o grande destaque, o ator Irandhir Santos, o diretor Hilton Lacerda se diz fã desde Baixio das Bestas (2007). O personagem Clécio foi escrito com o ator em mente, concebido especificamente para os seus movimentos corporais e a sua voz. Com tantas nuanças diferentes em um mesmo filme (ditadura militar, censura e repressão, arte, teatro, homoafetividade, bullying, etc.), o romance ou drama poderia dar pelo menos mais três filmes ou curtas diferentes:


O Soldado


Seja pelo fetiche bastante comum entre os homens, fardas e militares, ou pelos recorrentes  boatos de sexo nos quartéis, outro contraponto se faz com a repressão da época (e de quase sempre), e de dentro de uma das bases do exército. Os supostos relacionamentos íntimos entre tenentes e cabos, as promoções em troca de momentos homossexuais secretos e as clássicas cantadas em forma de bullying ou assédio moral.



O Amante


Duas descobertas entre dois homens. Um, totalmente livre e libertário, diretor de teatro. O outro, um jovem soldado do exército, como qualquer adolescente, ávido por experimentar o mundo. Nada mais excitante do que os bastidores do 'teatro marginal', um lugar à parte onde quase tudo é permitido. E para o diretor, maduro e experiente na vida, o frescor de um jovem e a fantasia em estar se relacionando com um militar.

Contudo, os desencontros são controlados com a mesma paixão que une os amantes em Tatuagem. Inclusive na conversa franca com o então ex, diante o inevitável ciúme. Talvez porque os objetivos de cada um sejam parecidos ou iguais a um mundo sempre "doce e suave".



O Teatro


Em contraponto com a repressão dos tempos onde as liberdades individuais eram ainda mais limitadas, o teatro ou a trupe colorida e alegre de atores e 'simpatizantes', e dispostos a perder qualquer pudor em nome da arte. Nudez no palco, palavrões, indecências... tudo com uma espontaneidade que parece dizer em alto e bom som: "o cu é democrático - todo mundo tem" (veja o vídeo Tem Cu, Tem Cu, Tem Cu). Junto com o que seria chulo, um lirismo escancarado, sem medo de ser hippie, pornô ou mambembe.


Outras resenhas

"Tatuagem é daqueles filmes essenciais. Mais até do que pela sua qualidade, o longa-metragem dirigido por Hilton Lacerda se destaca mesmo é pela proposta que traz a um cinema brasileiro cada vez mais careta, onde certos assuntos são tratados como tabu e com um moralismo implícito cada vez maior. Dono de uma naturalidade impressionante no desenrolar da história, especialmente ao abordar assuntos densos e por vezes complicados pela polêmica inerente que trazem consigo, o filme na verdade ganha (muita) força ao tratar seus personagens sob a questão do afeto. Não importa se são homens ou mulheres, gays ou hetero, isto é mero detalhe. São pessoas, seres humanos, que se apaixonam uns pelos outros e, vivendo aquele momento, se entregam à força do que sentem sem pensar duas vezes."
O valor do afeto (Francisco Russo)


"Brasil, 1978. A ditadura militar, ainda atuante, mostra sinais de esgotamento. Em um teatro/cabaré, localizado na periferia entre duas cidades do Nordeste do Brasil, um grupo de artistas provoca o poder e a moral estabelecida com seus espetáculos e interferências públicas. Liderado por Clécio Wanderley, a trupe conhecida como Chão de Estrelas, juntamente com intelectuais e artistas, além de seu tradicional público de homossexuais, ensaiam resistência política a partir do deboche e da anarquia. A vida de Clécio muda ao conhecer Fininha, apelido do soldado Arlindo Araújo, 18 anos: um garoto do interior que presta serviço militar na capital. É esse encontro que estabelece a transformação de nosso filme para os dois universos. A aproximação cria uma marca que nos lança no futuro, como tatuagem: signo que carregamos junto com nossa história."


Prêmios: Kikito de Melhor Filme (Festival de Gramado 2013); Melhor Trilha Musical - DJ Dolores (Festival de Gramado 2013); Melhor Ator - Irandhir Santos (Festival de Gramado 2013); Prêmio Especial do Júri - Ficção (Festival de Cinema do Rio 2013); Melhor Ator - Jesuíta Barbosa (Festival de Cinema do Rio 2013); Melhor Ator Coadjuvante - Rodrigo García (Festival de Cinema do Rio 2013); Melhor Longa-metragem Ficção - Prêmio do Público (Festival de Cinema do Rio 2013); Prêmio FIPRESCI de Melhor Longa Latino-Americano (Festival de Cinema do Rio 2013).

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